sábado, 24 de abril de 2010

Oscar 1951 - Crepúsculo dos Deuses


Billy Wilder era um gênio. E foi tão prolífico em sua genialidade que entre seus filmes mais importantes estão duas comédias seminais, um filme denuncia sobre o jornalismo, um filme noir clássico, um filme de tribunal impressionante e a maior obra já feita sobre sua própria arte: o cinema.

É assim que pode ser descrito Crepusculo dos Deuses. A mais incrível homenagem e crítica a maior de todas as artes criadas pelo homem. O cinema é aquela que combina com extrema simplicidade e destreza tudo o que todas as outras manifestações artísticas oferecem. A música, o teatro, a literatura, a pintura, a dança e a escultura.

Wilder combina com perfeição todos esses elementos com sapiência de um general calejado de batalhas. A trilha sonora do brilhante Franz Waxman é sublime, a direção de arte e a construção dos sets (a mansão de Norma Desmond é deslumbrante) são muito eficazes, a obsessiva “dança da conquista” que Gloria Swanson impinge ao personagem de William Holden é um exercício de como expor uma situação com cores suaves e desesperadoras ao mesmo tempo. A literatura, ou seja o texto lido e escrito, é um dos maiores da história. Uma combinação impecável de drama humano, sátira ácida ao cinema (exemplificada em diversos momentos: o jogo de cartaz com grandes nomes do cinema mudo, como o grandioso Buster Keaton; a aparição especial do mestre do espetáculo Cecil B. De Mille; e o grande Erich Von Stroheim, um dos maiores diretores da história vivendo o criado Max), romance e uma das mais bem contadas histórias de obsessão do cinema.

Impossível não se remoer na cadeira com as tentativas doentias de Norma Desmond em prender em seus domínios o roteirista Joe Gillis.

Finalmente, Wilder completa seu painel com a fotografia (a “pintura” do cinema) serena de John F. Seitz, brilhante desde os closes (como a inigualável cena final), passando pela incrível sequencia da sessão privada de filmes mudos (onde ele abusa do contraste e da sensação claustrofóbica realçada pelos inúmeros cigarros consumidos), pelo baile de ano-novo que é uma ode ao bizarro e toda a homenagem a Cecil B. De Mille. Tudo funciona muito bem.

E onde está o teatro, você leitor pergunta intrigado ?

Ora está representado por uma das mais transcendentais interpretações da história. Gloria Swanson representa a quintessência da vilã obsessiva. Seu olhar, seu gestual, seu modo de caminhar e falar, tudo inspira o espectador a entrar em um completo estado de hipnose. Impossível desviar o olhar da atriz quando profere algumas das frases mais importantes da história da arte cinematográfica (a citar: “Senhor De Mille, estou pronta para o meu close” e “Eu sou grande, os filmes é que ficaram pequenos”), ou quando ela inicia seu doente jogo de gato e rato com o personagem de Holden. Esse por sua vez, começa morto (literalmente) e no melhor estilo filme noir, narra suas desventuras que resultam em seu corpo inerte boiando na piscina da decadente mansão Desmond. Mas ainda mais impressionante que Holden pra mim, é o fabuloso Erich Von Stroheim, um dos mais importantes diretores da história (seu Ouro e Maldição é lendário, tanto pelo conteúdo como pelas histórias de bastidores) que vivendo o empregado e ex-marido da estrela sustenta toda a farsa que inflama a sensação em Norma de que no fundo ela ainda é uma estrela. O resultado disso é a patética cena em que a estrela visita um de seus antigos diretores (o já citado Cecil B. De Mille).

Wilder conseguiu com muita habilidade ser sutil na crítica a falta de memória do público com seus ídolos ao mesmo tempo em que criticou os mesmos decadentes ídolos por tentarem viver de uma realidade a muito ultrapassada. Desmond é o produto de seu ego, talvez o maior que o cinema teve a audácia de mostrar. Gills é o homem “esperto” que tenta aproveitar de sua juventude para golpear o coração gelado da estrela e com isso ganhar algum dinheiro. Porém transforma-se no peão que é usado como troféu de uma estrela a muito morta. E Max é a única centelha que prende a insana personagem de Swanson ao plano real, mesmo que ele seja aquele que fustiga os caprichos da estrela. Mais do que um empregado, Max é um amante, eterno, que atende aos desmandos e loucuras da patroa, como forma de um amor tão obsessivo quanto o de Desmond pelo personagem de Holden. No fundo é uma espiral de personagens obcecados com algo e que não tem a noção exata dos preços a serem pagos.

Um trabalho notável em todos os aspectos e para esse que escreve, Crepúsculo dos Deuses sintetiza em cores pulsantes todo o esplendor do cinema. Fulgurante, mágico, trágico e muito cativante.

Por: Alexandre Landucci

Um comentário:

Marcelo A. disse...

Me lembro que, no dia em que o Luís viu Crepúsculo dos Deuses, a cena final da Norma Desmond encarnando a Salomé não lhe saía da cabeça. É mesmo impressionante. Difícil encontrar um adjetivo para qualificar o filme e atuação de Swanson. Billy Wilder era o cara! Não é à toa que Testemunha de Acusação, Se Meu Apartamento Falasse e Quanto mais Quente Melhor está entre os meus preferidos de toda vida...

=)

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