O cinema, desde que surgiu e foi gradualmente agregando
novas estéticas artísticas, inevitavelmente abriu espaço para as mais diversas
emoções: desde o alívio quando o casal de um romance finalmente supera as
adversidades, como em An Affair to
Remember (1957) e termina junto até a tensão de observar inerte ao
desespero de pessoas presas num local que decerto as levará à morte, como em The Towering Inferno (1974). Mas muito
antes disso – de qualquer um dos filmes citados –, datado do começo do século
XX, inúmeras outras sensações já haviam sido expostas nas películas e, ainda
mais anteriormente, a literatura já as havia dado ao seu público, permitindo
que eles rissem de uma situação histriônica, chorassem a morte de uma
personagem, se encantassem com a atmosfera de alegria presente numa narrativa
e, também, fez muitos leitores sentirem medo.
Há, primeiramente, que se ignorar o pressuposto de que o
medo é um sentimento infantil e que a estética do horror seja, dado a sua
natureza assombrosa, voltada para o público adulto. Precisamos nos lembrar de
que o medo evoca a compreensão de que algo ou alguém pode nos atingir e nos
afetar negativamente, mostrando assim que, mesmo que mais sobressalente em
crianças, a capacidade de abstraí-lo e correlacioná-lo a algo concreto requer
bastante maturidade. Depois, é necessário compreender que o horror enquanto
estética advém da verossimilhança, ou seja, da comparação com elementos reais,
de modo que haja, na vida real, algo que se assemelhe àquilo que é visto em
filmes e livros, independentemente do público para o qual sejam voltados. Como
se vê nos contos de fadas, a benevolência e a maldade, o bom e o mau, o certo e
o errado – todos advindos de padrões morais e éticos –, representam a máxima
dicotomia da vida: ou dá certo ou não dá. Em seu livro Psicologia dos contos de fadas (1980), BETTELHEIM afirma que “nos
contos de fadas, o mal é tão onipresente quanto a virtude” e acrescenta que
“bem e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presente
em todo homem” (p. 15).


Como já citado, o cinema de terror se apropriou de
vanguardas para se fortalecer. Apenas a realidade, no seu máximo verossímil,
não era suficiente para impor ao espectador a estranheza causada por um filme
como Nosferatu, eine Symphonie des
Grauens (1922),
obra alemã que fez uso do expressionismo a fim de fazer “a arte ultrapassar os limites da
realidade, tornando-se expressão pura da subjetividade psicológica e emocional” (MONTEIRO, 2007, s/p). Ainda
discorrendo mais sobre a relação do real e do fantasioso, o autor afirma que a “deformação das figuras dos
expressionistas mostra claramente os impulsos libertários do movimento que
submeteu o real às leis da imaginação, com pinturas de atmosfera apocalíptica e
anarquista” (idem). E transpondo o significado de “anarquismo” para a natureza
das artes, fica evidente que o expressionismo buscava desestruturar, através do
horror, o arquétipo de cinema que havia até então: o exaustivo retrato da vida
real.
Qual é
o propósito, afinal, do gênero e como ele atinge o público? Decerto angustiar a
platéia. NOGUEIRA (2010) diz que, quanto ao gênero, “o
seu apelo e o seu fascínio para o espectador, provêm, ironicamente, da
incomodidade e do desconforto que provoca neste”. É importante que saibamos que
não apenas o incômodo, tampouco o medo em si, mas inúmeras sensações e emoções
são correlatas a essa vertente cinematográfica: o asco em Cannibal Holocaust (1980), a angústia em Rosemary’s Baby (1969), a claustrofobia em The Shining (1980), a desolação em Night of the Living Dead (1968) e, trazendo mais próximo de nossa
época, a inércia em Dark Water (2005)
e a incompreensão em Paranormal Activity
(2009). Todos esses filmes inevitavelmente se encarregam de perturbar o
espectador, colocando-o lado a lado com a possibilidade de que aquilo na tela
possa, afinal, se aproximar dele de algum modo e assim o colocar na mesma
situação que a do personagem a que ele assiste.
E todas essas sensações dependem de uma via
bilateral: tanto o filme deve se mostrar capaz de levar sua mensagem ao
espectador quanto o espectador deve estar aberto ao que virá. Uma produção
composta por aspectos artísticos fortes é capaz de revirar o estômago do
público: um bom trabalho de maquiagem que transforma um rosto angelical em algo
diabólico; um bom trabalho de som que consiga condicionar o espectador a seguir
a cadência de tensão do filme; direção perspicaz, capaz de truques para
intensificar a tensão, como a opção por filmar de ângulos diversos, diminuindo
ou aumentando o personagem em relação à visão do espectador. E cabe à platéia
selecionar quais filmes quer ver: de nada adiante ir ao cinema assistir a uma
película de terror sobre zumbis se o que lhe dá verdadeiramente medo são os
fantasmas ou os extraterrestres.

Como todos os outros gêneros, o terror não se
limita aos adultos tampouco faz com que os humanos sejam os protagonistas. Com
caráter bastante democrático, o elemento a causar o terror pode ser uma pessoa
(Sleepaway Camp, 1983), um sonho (The Cell, 2000), um fenômeno da natureza
(The Fog, 1980), um veículo de
transporte (Christine, 1983), um
lugar (The Pet Semetary, 1989) ou,
pasmem, até mesmo um objeto (The
Refrigerator, 1991). E, como todo gênero, tem suas exemplares que merecem
ser conferidos (REC, 2007) e aqueles
dos quais devemos passar longe (5ive
Girls, 2006). E, sobretudo, não podemos ignorar o fato de que, como
qualquer outro gênero, o terror é fundamental para a análise não apenas do
cinema enquanto objeto artístico e, conseqüentemente, sociológico (já que traz
consigo o reflexo de uma sociedade), mas talvez do próprio homem, que viu na
produção cinematográfica um instrumento para registrar aquilo que é presente em
nossas vidas: o medo.
Referências bibliográficas:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de
fadas. Tradução de Arlene aetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
FIGUEIREDO, Eurico de Lima. Cinema, terror e
ideologia. In: < http://www.achegas.net/numero/um/eurico_f.htm>,
acesso em 02 de março de 2012.
MONTEIRO, Pedro. O Expressionismo recriando
conceitos e valores. In: < http://www.overmundo.com.br/overblog/o-expressionismo-recriando-conceitos-e-valores>,
acesso em 02 de março de 2012.
MOURA, Edgar. 50 anos luz, câmera e ação.
São Paulo: SENAC São Paulo, 2001.
NOGUEIRA, Luiz. Manuais de cinema II: os géneros
cinematográficos. – s.n.t.
XAVIER, Ismael (org.). A experiência do
cinema. Coleção arte e cultura, v. nº 5. Rio de Janeiro: Edições Graal:
Embrafilme, 1983.
Um comentário:
Belíssimo texto. Fala bem sobre esse tão adorado gênero,que ultimamente não vem sendo honrado como deveria. Aliás, como o cinema foi criado justamente para permitir novas sensações ao espectador, nada mais importante do que o medo provocado pelos filmes de terror. Grande ABS.
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www.cinemaniac2008.blogspot.com
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